Chapeuzinho vermelho caminhava noite adentro pela floresta escura. No céu, estrelas. Na Terra, bilhões de pessoas, bichos, Chapeuzinho vermelho e uma floresta escura. Estrelas são luzes do passado, mas não tão luminosas que poss...am clarear a floresta por onde Chapeuzinho caminhava. Chapeuzinho não sabia do futuro, não enxergava um palmo à frente. Ela era a luz das estrelas rumo à casa da vovó.
A vovó morava numa favela dominada por uma milícia carioca. Gás, telefone, luz, internet, TV à cabo e lobos maus, tudo o que entrava no barraco da vovó era controlado por policiais. Chapeuzinho trajava um vestido de baile funk vermelho, colocado à vácuo, dois dedos abaixo da cintura, usava salto alto e um capuz da facção que dominava os acessos à casa daquela velha senhora.
Ao entrar no barraco da vovó, Chapeuzinho parou. E ficou. Parada. Mais um pouco. Um pouco mais. Mais um pouco. Calma, quase lá. Pronto! Chapeuzinho continuou parada, sinal metafísico e profundo de que o que virá está por vir e de que o passado, esse sim, ficou parado, lá atrás, no passado.
Chapeuzinho aproximou-se da cama da vovó, acendeu a luz, mas, por ordem da milícia, a mesma fora cortada. "Porra, vó!" - exclamou Chapeuzinho, puta da vida. "Eu não deixei a merda do dinheiro pra pagá os milícia?" - perguntou.
- É que eu tive que pagar os remédios... - respondeu a vovó, totalmente coberta.
Chapeuzinho parou. Pensou na luz das estrelas. Parou. E parou. Mais um pouco. Quase lá. Vamos, falta pouco. E assim ficou. Parada. Como a luz das estrelas, que caminham no mesmo lugar. Os pensamentos de Chapeuzinho viajavam, mas ela ali permanecia, parada. Como as rochas, eternamente banhadas pelas ondas do mar.
- Porra, vovó! - brigou Chapeuzinho. - Que merda de voz é essa? Bebeu de novo?
- Não... - respondeu a vovó. - É que peguei gripe...
- E essas pernas peludas? Não se depila mais não?
- Estou muito trêmula, minha netinha, para estes confortos... Além do mais, seu avô se foi faz tempo...
As estrelas brilhavam no mesmo lugar. As ondas castigavam as mesmas rochas. E Chapeuzinho pensava no significado de tudo isso e chorou. Chorou. E chorou. Mais um pouco, um pouco mais, pronto: tudo ficara claro para a menina!
- Você quer me comer? - perguntou, de bate-pronto.
O lobo se revelou, saltando da cama, rasgando a roupa da vovó. "Sim!" - gritou!
Chapeuzinho arregalou os olhos brilhantes como as estrelas e, docemente, disse:
- Porra, eu vim preparada! Não podia esperar o baile terminar?
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