sábado, 11 de fevereiro de 2012

Um Conto de Carnaval


Dois intelectuais acompanhavam um bloco que se espalhava como água pelas ruas de Ipanema.


- Meu Deus! Que barbárie! - exclamou o primeiro.
- Que excitante! Tão primitivo! - comentou o segundo.
- Alguém entende o que eles cantam? Parece uma língua antiga, não consigo decifrar...
- É alguma celebração, provavelmente um ritual.
- Será que vão sacrificar alguma virgem?
- Virgem?
- É. Dizem que as virgens são sacrificadas nesses rituais.
- Que barbárie! Que carnificina!


Distraídos, os dois não perceberam a aproximação de um assaltante:


- Perdeu, preibóis, perdeu!


Os dois intelectuais surpreenderam-se.


- Nossa! Que horror! Que lástima!
- Uma pobreza de construção. Estilo péssimo, pronúncia pior ainda.
- Primeiro: o verbo está incorretamente flexionado, jovenzinho. Perderam. Per-de-ram!
- Segundo: o que seria "preibói"? Se for utilizar palavras de outro idioma, utilize-as corretamente!
- Passa relógio, carteira e celular! - ordenou o assaltante, ignorando a aula de português que recebera.
- De qual dos dois? Faz diferença, jovem. O primeiro é a forma do imperativo para o pronome tu. Como não nos conhecemos, acredito que a melhor forma para designar uma ordem para que nós dois passemos nossos pertences seja "passem"...
- Cestão de onda? Olha que eu passo vocês! - ameaçou, levantando a camisa para mostrar uma arma.
- Nossa! Ai meu Deus! Ai meu Deus! Eu não quero morrer, moço. Não quero! - imploraram os intelectuais.
- Vamos até ignorar o "cestão"... - observou um deles.


Surgiu então um guarda municipal que havia percebido a ação do assaltante.


- Pare! Eu sou um agente público destacado para garantir a lei e a ordem nestes dias de folia!
- Que bom que você chegou! Que bom seu guarda! Prenda esse meliante! Ele acabou de nos roubar!


O guarda se aproximou, olhando sucessivamente para o trombadinha com os pertences dos intelectuais, para as vítimas apavoradas, para o trombadinha, para as vítimas, até dizer:


- Tá liberado! Some daqui!


E o trombadinha:


- Fui! Valeu choque!


Sem entender, os intelectuais protestaram:


- Como assim? Ele acabou de nos assaltar? Você não vai fazer nada?
- Vou sim... - disse o guarda, algemando os dois. - Vou prendê-los por atentado ao pudor por mijar a rua...
- Mijar a rua? Meu Deus! Que barbárie!
- Que desagradável!